3171 Tribunais no séc. XXI: independência, eficiência e cidadania
Centro de Estudos Sociais
Room: Auditório do CIUL (Centro de Informação Urbana de Lisboa)
Os tribunais são organizações fundamentais e específicas, difíceis de estudar, uma vez que, por um lado, é necessário examinar uma estrutura complexa, que tem que assegurar ao mesmo tempo a independência dos juízes e, por outro, gerir as interações com o ambiente externo, ou seja, instituições centrais, outros tribunais, entidades territoriais, profissionais e, acima de tudo, cidadãos, na sequência de um processo de busca contínua de legitimidade, envolvendo todas as articulações do “sistema de justiça”. Analisar o funcionamento e a gestão dos sistemas judiciais significa, portanto, colocar várias questões, que dizem respeito à independência, eficiência e as relações com os cidadãos e a sociedade. O objetivo desta sessão é refletir criticamente sobre o poder judicial e as políticas públicas da administração da justiça e analisar o papel e as funções dos tribunais nas sociedades contemporâneas, designadamente em Portugal e na Europa do Sul (sessão organizada por Luca Verzelloni).
Chair: Luca Verzelloni | Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra
Discussant: João Pedroso
Patrícia Branco | Centro de Estudos Sociais
O direito ao tribunal como direito fundamental a um espaço de justiça com dignidade
Abstract
A minha proposta é a de discutir a ideia de que os tribunais são espaços de justiça que servem uma função que vai para lá da mera resolução de conflitos. Os tribunais têm um importante papel de mediação dos indivíduos e da colectividade com o Estado, servindo como espaços sociais e cívicos no seio da comunidade. Assim, importa examiná-los a quatro diferentes níveis: geográfico, urbano, espacial e arquitetural. Estes quatro níveis serão relacionados com diferentes eixos de reflexão, tendo a realidade portuguesa como ponto de análise.
Conceição Gomes | Centro de Estudos Sociais
Tribunais em democracia: desafios à formação dos magistrados
Abstract
As mudanças de natureza económica, política e social, ocorridas nas últimas décadas, tornaram o contexto da ação dos tribunais muito mais complexo. Essas transformações são muito vastas e atingem todos os domínios da vida em sociedade, desde novos riscos públicos ambientais ou de segurança alimentar, à medicina, às mutações da criminalidade grave, cada vez mais, transnacional, às novas precariedades laborais e novas desigualdades sociais. Numa outra vertente, a crise de legitimação social dos poderes executivo e legislativo, vivenciada um pouco por todo o lado, em grande parte induzida por escândalos de corrupção e de cooptação de sectores e interesses do Estado por interesses privados, transporta para o campo do judiciário conflitos de natureza eminentemente política- fenómeno conhecido por judicialização da política. Também a intensificação de hibridações jurídicas e institucionais, da existência de diferentes culturais judiciais dentro de um mesmo sistema judicial, acentua essa complexidade. Este novo contexto de ação dos tribunais coloca especiais desafios à formação dos atores judiciais, em especial, dos magistrados. Estão as magistraturas a procurar transformar-se no sentido de serem capazes de responder a esse desafio? Esta comunicação tem como objetivo refletir criticamente sobre a formação dos atores judiciais, dando especial destaque ao ensino do direito e à formação profissional dos magistrados, no sentido de procurar responder se essa formação incorpora uma conceção de um direito plural, por contraponto à teoria positivista do direito, a repolitização do direito e da justiça como fatores de democratização e a compreensão do direito e da justiça como instrumentos de transformação social e política.
Paula Casaleiro | CEF/UC, CES
A colonização tribunais de família pelos/as peritos/as
Abstract
A perícia é vista pelo direito como uma mera técnica, uma ferramenta inerte, porém, e apesar dos esforços normativos e doutrinários de manter o direito numa posição dominante, o recurso às perícias produz e traduz-se numa mutação dos fundamentos e dos modos de ação da instituição judiciária. No âmbito do direito e da justiça da família e das crianças, os estudos internacionais e nacionais apontam para uma participação crescente de peritos/as, associada à adoção de critérios indeterminados, bem como para uma elevada concordância entre as perícias e as decisões judiciais (Bala e Antonacopoulos, 2007; Gonçalves, 2010; Kruk, 2011; Semple, 2011). O presente artigo discute a relação entre o direito e a justiça de família e das crianças e as perícias judiciárias, entre magistrados/as e peritos/as, na aplicação do direito da família e das crianças nos processos tutelares cíveis de regulação das responsabilidades parentais nos tribunais portugueses. Recorrendo do ponto de vista metodológico, em primeiro lugar, ao conceito de coprodução e à definição sociológica e abrangente de perícia, em vez da jurídica, como elementos estruturadores do modelo de análise. E, em segundo lugar, à análise de conteúdo de processos tutelares cíveis relativos à regulação do exercício das responsabilidades parentais findos numa secção especializada de família e menores. A análise desenvolvida revela a amplitude e heterogeneidade do impacto das perícias judiciárias nos processos de regulação do regime de responsabilidades parentais, que se estende a montante da decisão judicial, aos diferentes atos processuais e decisões judiciais, num processo de colonização da prática judiciária pelas perícias judiciárias. A perícia judiciária opera uma transformação da economia do sistema de decisão, agindo como um recurso, mas também como constrangimento, suscetível de estruturar ou mesmo determinar a decisão, em litígios como os de regulação das responsabilidades parentais. Num contexto de colonização da justiça pelas perícias (Foucault, 1977, 1997a), em que as perícias judiciárias se assumem, em geral, como recursos vinculativos, que constrangem a decisão judicial, a questão que se coloca é que papel fica reservado aos magistrados e magistradas nestes processos?
Luca Verzelloni | Centre for Social Studies, University of Coimbra
Territories of (in)justice: the paradox of judicial innovation in Southern Europe
Abstract
Although in recent years the Southern European judicial systems have been subjected to many reforms – in some cases, imposed by the Troika and, in other cases, adopted under the influence of the pressure exerted by European Union and Council of Europe – many empirical evidences show that the quality of justice is still, on the overall, below the European standards. Nevertheless, and quite paradoxically, the Southern European judicial offices are "innovative arenas": the courts, in fact, are a breeding ground for a plurality of micro innovations. However, one the one hand, the Southern European judicial systems struggle to implement the reforms promoted at the central level, and on the other hand, they have great difficulty in spreading the innovations, which often remain a sort of “local heritage”, intrinsically linked to the courts and their practitioners. All this represents a paradox that characterizes the Southern European judicial systems. Despite the efforts to increase the quality of justice, in fact, the judicial reforms are rarely fully implemented and investments to support innovation hardly ever have produced any actual, widespread and long-lasting results. At the same time, the propensity of local courts to introduce some micro innovations, to solve their daily functioning problems, generates some clear differences in how justice is administered in various territories. The courts are not able to ensure uniform performances and common behavioral standards, with clear repercussions on the citizens' rights. In this sense, the quality of justice in Southern Europe is very uneven, in terms of efficiency, effectiveness, accountability, transparency and openness to citizens and professionals. This paper aims to contribute to the debate on the administration of justice by presenting a comparative study on the paths of judicial innovations in Greece, Italy, Portugal and Spain. The hypothesis of this empirical analysis is that there is a direct correlation between the level of internal independence of the judiciary and propensity to innovation. The paper's arguments are based on the first results of a five-year research project on the Southern European judicial systems.