3153 Legislar, regulamentar, aplicar. As instituições enquanto lugares de tensão e confronto entre a
ST Sociologia do Direito e da Justiça
Room: C5.06
Apesar de o Estado figurar como um dos objetos que mais fascínio tem suscitado na academia e nas ciências sociais, é frequentemente representado de forma monolítica a nível macro e de maneira simplista a nível micro. Este painel procura superar estas representações, propondo uma análise etnográfica da construção, aplicação e regulamentação da legislação no contexto português, focando contextos institucionais cujo funcionamento – ainda que determinado em primeira instância pelo Estado – vai para além das normas legais pré-estabelecidas e pré-determinadas. Seja no momento em que é construída, interpretada ou aplicada, a lei é sempre um espelho de conflitos e acordos, interpretações dissonantes, tensões e parcerias, histórias de vida, emoções e motivações dos seus intervenientes.
Neste painel apelamos a contributos que discutam de forma crítica e sustentada empiricamente a gestão do quotidiano institucional enquanto lugar de fronteira entre a lei abstracta e a realidade material; as tensões entre o dever ser e a prática do dia-a-dia; as possibilidades objectivas e as necessidades particulares; as estratégias de resistência formais e informais que evidenciam a tensão e o confronto entre o ideal e o possível (Sessão organizada por Catarina Frois).
Chair: Catarina Frois | CRIA - Centro em Rede de Investigação em Antropologia
João Mineiro | CRIA-IUL
A feitura da lei: uma abordagem etnográfica
Abstract
No debate público ou no sistema de justiça é frequente ouvirmos a expressão “o legislador”, sempre que alguém se quer referir a “quem” construiu uma determinada lei. Inclusivamente quando surgem interpretações dissonantes em relação à aplicação de uma determinada lei, a solução possa por se tentar compreender qual a intenção “do legislador”, a fim de ser encontrada a interpretação mais correta e plausível. Mas afinal quem é que constrói as leis? E como é que elas são construídas? Baseando-nos numa investigação etnográfica sobre o Parlamento português, este artigo desvenda o processo de construção legislativo, revelando os seus intervenientes e as tensões e compromissos que gerem em cada momento. Mostra-se, assim, que uma lei é um objeto construído a partir de variadas influências, exercidas por diversos agentes sociais, geralmente com distintas motivações, intenções e interpretações. Influências, essas, que revelam como as leis podem conter, em si mesmas, múltiplos significados, permanente discutidos e disputados em processos formais e informais de redação e negociação na Assembleia da República.
Afonso Bento | CRIA-IUL
"We do not believe we are going to save all these people”: the ethical reasoning of Portuguese reeducation officers.
Abstract
Portuguese law has long emphasized the reintegration of offenders in broader society as one of the main goals of prison institutionalization. Prison reeducation officers are trusted with playing a major role in accomplishing this objective, being assigned a very diverse set of tasks. In most prison establishments, these professionals are expected to monitor inmate’s progress and needs, to implement different types of reeducation programs or to inform court decisions through written reports However, not all inmates are equal recipients of their work. In a penitentiary context where many prison establishments are affected by overcrowding and lack of resources, these professionals often feel overburdened and forced to make decisions concerning which inmates will receive more time, attention and opportunities. For instance, who will be chosen to participate in reeducation programs or who will be assigned work are matters settled within the discretion allowed to these professionals. Furthermore, scarcity of resources and overcrowding are not the only factors that can lead to such selectivity. It can be the case that some reeducation officers consider certain inmates to be damaged individuals which are beyond intervention, and, as such, irrecoverable. Drawing upon fieldwork and interviews with reeducation officers from four different prisons, this paper will explore the ethical reasoning and criteria these professionals bring forth in order to accomplish their tasks, as well as the different factors that may influence them. The prison establishments under analysis - Oporto, Guarda, Faro and Carregueira - are very diverse, making for a pertinent comparison. They differ in their occupancy rate, the type of prison population they house or the size and conditions of their facilities, providing very different challenges for their respective reeducation officers.
Fernanda Rivas Oliveira | CRIA-IUL
Relação, constituição e agência. Uma reflexão sobre a interdependência do formal e do informal num contexto nacional de crise.
Abstract
O Estado e a sua vertente legislativa constitui um dos eixos centrais de discussão na academia e no debate púbico em geral, nomeadamente em duas vertentes que aqui nos interessa abordar: 1) relação entre o conceito assistencialista e a ação voluntária extra estado e 2) produção, legislação e financiamento das atividades commumente exercidas em torno do chamado Terceiro Sector. Em qualquer dos casos poder-se-á dizer que a problemática assente no conceito sociológico da estrutura-ação é intrínseco aos dois pontos referidos do ponto de vista da sua análise intelectual e cientifica, e que no limite tem como objetivo último a afetação direta ou indireta dos decisores políticos. Na prática e num contexto português de crise polissémica e que se desenvolve em diversos domínios da vida social, a ação do estado por um lado e da sociedade civil enquanto agente de ação individual por outro, articulam-se formal e/ou informalmente por via da legislação ou falta dela, relacionando-se de forma complexa e intricada. Considera-se fundamental explorar os modos dessa relação e principalmente o impacto que ela tem nos quotidianos das pessoas e na reprodução social dos seus modos de vida. Procurarei neste artigo oferecer uma descrição etnográfica de processos e histórias de vida de sujeitos, que vivem num contexto de deficit e recorrem aos mais diversos meios de ajuda, institucionalizada ou informal (voluntária), para justamente superar as suas necessidades quotidianas, agora profundamente agravadas pelo contexto de crise. Assim, este artigo tem como objectivo o debate em torno das diferentes articulações e usos do formal/ institucional e informal/ particularista de modo a compreender o impacto dessas articulações nas vidas das pessoas e como essa utilização estratégica de meios, colabora para a resolução das dificuldades quotidianas dos mais afetados pelo presente momento de crise. Com base no meu trabalho de campo realizado em instituições de voluntariado em Lisboa, Setúbal e Évora, proporei uma reflexão sobre a importância que os interstícios institucionais assumem na formulação de respostas informais ou semi informais a situações de diversas necessidades sociais, económicas, mas também afetivas e de ordem intangível como a dignidade e auto estima contemporaneamente associadas ao trabalho e à capacidade de manutenção de uma vida digna.